domingo, 19 de novembro de 2017

Esclarecendo os conceitos: bi amplificação e bi cabeamento



Na última postagem, falamos sobre os divisores de frequência ativos e passivos, utilizados para efetuar a separação de freqüências necessária para a correta operação dos alto-falantes. Vimos também que existe uma melhoria significativa de qualidade ao se utilizar cross-overs ativos em projetos mais sofisticados. Essa melhoria cobra seu preço em termos de complexidade e custo da instalação, com o uso de um cross-over ativo e de mais amplificadores por canal. A solução ativa não é vista em Home-theater, ainda tem pouca visibilidade em sistemas estéreo, mas é comum em sistemas profissionais, seja nos PA’s (Public Address ou em sistemas para shows), como também em estúdios de gravação. Caixas do tipo monitor de estúdio são invariavelmente bi ou tri amplificadas e possuem cross-overs ativos, sendo que algumas utilizam DSP´s (Digital Signal Processors), que além de proporcionar maior precisão nos filtros, trazem recursos adicionais construídos no software do DSP, que se somam aos benefícios anteriores. Equalização das curvas de resposta, correção das deficiências dos alto-falantes e alinhamento temporal são apenas algumas das vantagens desse conceito.

O mundo do áudio residencial tem aplicado pouco os cross-overs ativos, mas existem produtos para uso com bi amplificação ou ainda com bi cabeamento. Qual a diferença entre eles? A complexidade adicional resultante também vale o benefício?

Bi cabeamento

Vamos começar pelo bi cabeamento. Antes de continuar, por simplicidade de notação, falaremos de bi cabeamento ou bi amplificação, mas os conceitos podem ser estendidos para três ou mais vias da mesma forma, ou seja, para tri cabeamento ou tri amplificação e assim sucessivamente.

Nessa configuração utiliza-se um amplificador, que é conectado a uma caixa acústica que permite bi amplificação (ou seja, esta tem quatro terminais, dois para ligar a via de graves e dois para ligar a via de agudos), através de um par de cabos. Dessa forma, o sinal de baixa frequência que está disponível na saída do amplificador trafega até a caixa pelo cabo conectado à entrada de graves e o sinal de médias e altas freqüências trafega até a caixa pelo cabo de médios e agudos. Ou seja, o cabo que conduz os graves não conduz médios e agudos e vice-versa.  A vantagem da configuração, dizem, é que há menos interação entre os sinais que trafegam em cabos separados. Será isso realmente procedente ou será apenas mais uma dos grandes mitos do áudio?

Apesar de existirem pessoas que acreditam realmente que há uma pequena melhora na qualidade da reprodução assim obtida, o fato é que a diferença, se existir, é pequena e difícil de ser notada. A questão é que, do ponto de vista de engenharia, levar o sinal por um cabo ou por dois cabos da forma apresentada acima não gera nenhuma alteração do ponto de vista elétrico e, portanto, acústico, a não ser que o cabo esteja mal dimensionado ou for de baixíssima qualidade. Logo, alterações para melhor são difíceis de justificar.  Fisicamente sabe-se que cabos são elementos bastante lineares. Portanto, não faz diferença alguma, do ponto de vista elétrico, usar um cabo ou dois cabos saindo do mesmo amplificador e chegando à mesma caixa acústica. Na realidade, bi cabeamento não produz melhora. Mas também não provoca piora. É uma técnica inócua. A melhora, se existir, é sutil e geralmente inaudível.

Já o caso da bi amplificação é outra história. Existem dois tipos de bi-amplificação: a passiva e a ativa. 

 Bi amplificação ativa

Conforme discutimos anteriormente, bi amplificação ativa envolve o uso de um crossover ativo que divide o espectro do sinal de áudio em baixas e altas freqüências. Isso ocorre antes dos amplificadores, e consequentemente permite que cada canal do amplificador somente receba e reproduza as freqüências destinadas a ele. Com isso, eliminam-se os cross-overs passivos das caixas, o que já causa alguma melhora. O fato de cada amplificador estar diretamente conectado ao alto-falante faz com que a carga vista por ele seja muito mais bem comportada do que a anterior, com o cross-over passivo instalado entre o amplificador e o alto-falante. Isso porque crossovers passivos são cargas reativas, que não são bem gerenciadas pelos amplificadores e também possuem perdas, o que faz com que o amplificador “sofra” um pouco mais para acionar o sistema e esteja mais propenso a produzir distorção. O sistema também se torna mais eficiente, uma vez que as perdas são menores. Mas o grande benefício da técnica é dado pela redução da distorção no amplificador, que só tem que amplificar uma parte do espectro audível. Além disso, se forem utilizados dois amplificadores iguais para a função, o volume percebido pela potência maior será bastante nítido. 

A separação dos sinais ainda permite um ganho de potência que teoricamente pode chegar a três dB´s, dependendo de como o sinal musical é composto, fazendo com que a impressão sonora chegue (teoricamente) ao dobro da anterior. Na prática, esse ganho pode chegar a um ou dois dB´s no máximo. Esse assunto é um pouco complexo para ser explicado nesta coluna, portanto não vamos discutí-lo em detalhes.  Todos os benefícios  descritos, se somados, resultam em real melhoria de qualidade, em troca de um custo adicional. 

Bi amplificação passiva

A bi amplificação passiva utiliza os cross-overs passivos das caixas acústicas que dispõem dos conectores separados para a parte alta e a parte baixa do espectro sonoro. Nesse caso, cada canal do amplificador amplifica o sinal completo, que alimenta a parte de graves ou de agudos da caixa utilizada.

Os benefícios são menos pronunciados do que no caso anterior, mas existem. A grande vantagem deste método é que cada amplificador enxerga em seus terminais somente parte da carga que ele veria no caso normal. Por exemplo, um amplificador conectado à via de agudos, nessa condição, não veria a via de graves como carga, o que melhora a solicitação de potência sobre ele, fazendo-o trabalhar numa situação mais confortável. As vantagens dessa configuração são basicamente a menor distorção gerada pelo amplificador e o ganho de potência, pois estão se utilizando duas unidades amplificadoras iguais. Os amplificadores trabalharão um pouco mais folgados, pois não terão a necessidade de fornecer potência em todo o espectro audível.

Bi amplificação mista

Trata-se de uma configuração bastante vista, onde o canal de graves tem um cross-over ativo e o canal de médios-agudos também tem um crossover ativo, porém a separação entre médios e agudos é feita por meio de um crossover passivo. A vantagem imediata é que os graves, que demandam mais potência, são alimentados por um amplificador independente e os médios-agudos por outro. Com isso obtém-se os ganhos citados anteriormente sem a complexidade produzida por um sistema tri amplificado.

Bi amplificação Horizontal e Vertical

A bi amplificação horizontal e vertical pode ser aplicada tanto ao caso passivo quanto ao caso ativo. No caso horizontal, um amplificador é utilizado para acionar a parte de alta freqüência do sistema, enquanto outro amplificador é usado para a parte de baixa freqüência do sistema. O benefício imediato é que se especificar amplificadores que trabalhem melhor com o canal de graves ou com o canal de agudos, através da seleção deles com base em seus parâmetros e potências. No caso vertical, os dois canais de um mesmo amplificador são utilizados para empurrar tanto a parte alta quanto a parte baixa do mesmo canal. Nesse caso, perde-se a oportunidade de escolher amplificadores que se adequem melhor às necessidades do canal de graves ou de agudos, mas pode-se trabalhar com o amplificador numa situação um pouco mais tranquila, dado que o canal de agudos exige menos potência do amplificador.

Existem mais detalhes sobre o assunto, que é um pouco complicado. As vantagens da bi amplificação ativa são significativas, especialmente se utilizadas com a configuração horizontal. A complexidade resultante é maior, mas os benefícios são consistentes e audíveis. No mundo profissional, este método é bastante utilizado. Quem tiver curiosidade de saber como se comporta um sistema desses, visite uma loja especializada em áudio profissional e peça para ouvir uma caixa monitor de estúdio ativa. No mercado de áudio automotivo, temos notado a disseminação do uso, mas no mercado residencial ainda são poucos os que o adotam. Em home-theater, a complexidade adicional gerada pelos amplificadores necessários para os diversos canais de um sistema típico multicanal ainda deve manter a bi amplificação longe desse mercado, mas em sistemas estéreo com 2.1 canais ele é perfeitamente realizável, ao custo de um pequeno aumento de complexidade. 

Os divisores de frequência ( ou crossovers) ativos e passivos e aplicações



Em nossa última postagem falamos sobre a quantidade de vias das caixas acústicas e da necessidade de dividir o espectro sonoro para cada uma dessas vias. Vimos também os arranjos mais comuns utilizados nas caixas do tipo bookshelf e nas do tipo torre. O trabalho de dividir o espectro sonoro em partes é feito por um circuito eletrônico chamado de divisor de freqüência (ou crossover, em inglês). Um crossover é definido basicamente pelo número de vias, pela freqüência (ou freqüências) de corte e pela taxa de atenuação em função da frequência.  Os dois primeiros itens foram abordados na coluna do mês passado. Vimos, por exemplo, que uma caixa bookshelf típica tem duas vias e uma freqüência de crossover entre 2 e 4 kHz (na coluna anterior afirmamos que essa freqüência estava entre 3 e 4 kHz, porém a faixa entre 2 e 4 kHz é mais utilizada na prática). A taxa de atenuação nos diz quanto do sinal não desejado é atenuado em função da frequência, conforme esta se afasta do ponto de transição. Essa taxa é um quesito definido no projeto da caixa acústica e afeta diretamente a complexidade e o custo do crossover.

Os divisores de frequência se dividem em dois tipos: os ativos e os passivos. Os divisores passivos são o tipo mais comum encontrado em caixas para Home-theater, à exceção dos subwoofers, que usam filtros ativos em sua eletrônica. Falaremos mais sobre os detalhes de subwoofers em uma coluna futura.  Já os divisores ativos são bastante utilizados em sistemas de áudio profissional e ultimamente também tem sido vistos com frequência em instalações automotivas, mas seu uso é restrito em sistemas residenciais.

Os divisores passivos usualmente fazem seu trabalho escondidos do usuário de sistemas residenciais: eles ficam colocados no interior das caixas acústicas ou arandelas para Home-theater, posicionados entre a saída do amplificador e os alto-falantes. Disso resulta um sistema muito simples, onde um amplificador por canal dá conta do recado.

Produtos mais simples utilizam crossovers chamados de primeira ordem ou de 6 dB/8ª, o que significa que o sinal é atenuado em 6 dB´s a cada oitava para cima ou para baixo na freqüência a partir do ponto de crossover, dependendo da via considerada. Por exemplo, para um tom de 1 kHz, uma oitava abaixo é 500 Hz e uma oitava acima é 2 kHz. O Decibel ou dB é uma unidade logarítmica que neste caso indica a atenuação do sinal. Quanto maior esse número maior a atenuação do crossover.  

Divisores de 6 dB/8ª são simples e, portanto vistos em produtos baratos. Apesar de apresentarem algumas vantagens, como melhor comportamento temporal, eles fazem com que os alto-falantes reproduzam a mesma frequência por um longo pedaço do espectro audível, dada a baixa atenuação. Isso pode ser ruim, pois em função da construção da caixa as frequências podem se adicionar ou se subtrair, gerando picos ou vales na resposta em frequência. Mas o pior problema de crossovers de primeira ordem é que os tweeters acabam recebendo muita energia em baixa freqüência (que eles não deveriam estar recebendo) e, portanto, estão mais sujeitos a serem danificados por excesso de potência em freqüências não desejadas.

Os filtros mais utilizados atualmente são os de 12 dB/8ª ou de 2ª ordem. A complexidade aumenta um pouco, mas a atenuação nas frequências que o alto-falante não trabalha dobra. Logo, o principal problema, que é o excesso de potência em freqüências baixas que chegam ao tweeter, é minimizado. Este tipo de crossover é de longe o mais utilizado, pelo compromisso entre complexidade, atenuação e custo obtidos. Um crossover de 18 dB/8ª ou 24 dB/8ª já se torna muito complexo para ser implementado de forma passiva.

Os crossovers passivos são construídos utilizando capacitores, indutores e resistores, que por estarem na saída do amplificador são itens de tamanho grande e tem custo elevado. Um crossover de primeira ordem e duas vias é bastante simples, podendo ser construído com apenas dois componentes. Já os de 2ª ordem e duas vias necessitam de ao menos quatro componentes.  Caso o número de vias passe de duas para três, o número mínimo de componentes aumenta para quatro para o de primeira ordem e oito para o de segunda ordem. Filtros com ordem e número de vias maiores logo chegam a uma complexidade de projeto considerável e a um número de componentes elevado, o que se reflete na construção e no custo. Logo, crossovers passivos geralmente são compostos de filtros de 2ª ordem com duas vias, chegando no máximo a até quatro vias.   

 Já nos sistemas ativos, os crossovers ficam colocados antes dos amplificadores, de forma que cada via tem de ter seu próprio amplificador, que está ligado diretamente no alto-falante. Esses sistemas são também chamados de bi amplificados (aqueles com duas vias ativas) ou tri amplificados (aqueles com três vias ativas) e assim por diante. A complexidade adicional resultante de um sistema bi ou tri amplificado inibe bastante a aplicação de sistemas ativos em Home-theater, onde o número de canais é de pelo menos cinco.

Porém, com crossovers ativos, as limitações citadas acima desaparecem, pois os filtros estão colocados antes do amplificador e podem ser realizados de forma analógica com componentes de pequeno porte e através de circuitos ativos, que apresentam melhor desempenho e precisão. Além disso, eles podem ser construídos com taxas de 24 ou até 48 dB/8ª, que são filtros excepcionais, com bastante atenuação fora da banda desejada. Alternativamente, os filtros podem ser construídos de forma digital, e implementados através do uso de um microprocessador dedicado chamado de DSP (Digital Signal Processor ou Processador Digital de Sinais). Crossovers digitais são precisos, versáteis e podem ter a ordem e a atenuação que se desejar. Através do software de controle, é possível se modificar a frequência de corte, a taxa de atenuação e até a ordem do filtro de forma simples.

Os circuitos ativos trazem consigo o aumento do número de amplificadores. O crossover fica muito melhor, mas a complexidade do sistema resultante aumenta. No mundo profissional, o ganho de desempenho é amplamente compensado, de forma que o aumento da complexidade não é relevante.

Para finalizar a postagem, devo citar que bi amplificação não é a mesma coisa que bi cabeamento. O último é uma técnica que usa somente um amplificador e cabos separados para alimentar as seções de graves e agudos da caixa acústica. Os resultados são significativamente diferentes dos obtidos com bi amplificação. Mas isso fica para a próxima postagem do blog. Até mais!